Você, como gestor, tem a preocupação de qualificar a sua equipe? E você, como colaborador, fica esperando pela capacitação ou assume a responsabilidade pela própria formação? Sabemos que as duas partes têm responsabilidades. Mas é a parte mais fraca que, enquanto aguarda, sofre as piores consequências.
Escola da experiência
Eric Schmidt iniciou a carreira na Sun Microsystems. Ficou lá por mais de uma década. E então aceitou o desafio de ir para a Novell. Ele não se informou antes (due dilligence), e só quando já estava no barco percebeu o tamanho dos problemas: fraudes, dívidas, caos. No entanto, essa foi a maior escola que ele jamais poderia ter.
E só por ter atuado tão bem nesse período turbulento é que ele foi escolhido para assumir a gestão do Google – onde foi CEO por 10 anos. Guardadas as devidas proporções, eu já vi essa história várias vezes: olhando para trás, o profissional percebe o quanto os momentos críticos impulsionaram sua trajetória.
Ouvi Eric Schmidt comentando que, se ele tivesse pesquisado a situação da Novell, não teria aceitado o emprego. Mas foi essa “imprudência” que propiciou a sua formação: as experiências capacitam. Logo, deveríamos estar buscando situações e cenários (e não apenas cursos e palestras) que nos moldem para o futuro.
O que se percebe, no entanto, é uma busca incessante por estabilidade e sossego. Reclamar dos problemas e buscar vida mansa já é uma questão cultural.
E a empresa, o local onde isso acontece, deve intervir nesse cenário?
Moldando a cultura
É difícil, mas é necessário moldar a cultura corporativa. Edgar Schein, referência no tema, dizia que a cultura é o resultado das nossas prioridades e dos nossos processos. Ou seja: é a forma que fazemos aquilo que escolhemos fazer.
No entanto, na gincana empresarial do dia a dia, fazemos o que é urgente, e da forma que sempre foi feito. E isso também é cultura. E um ponto extremamente crítico: não importa se estamos intervindo ou não, a cultura vai existir de qualquer forma.
Clayton Christensen, uma das maiores referências em inovação, compara a formação da cultura empresarial com a educação dos filhos. Brigar, punir e dizer o que fazer pode funcionar em situações extremas. Mas em casa ou na firma, isso não constrói uma relação de confiança.
Se a sua filha perdeu o prazo de um trabalho escolar, quem sabe seja melhor você deixar ela sofrer as consequências. Se você ajudar ela a acabar o trabalho para não perder nota, vai transmitir a ideia de que os pais estarão ali para resolver o próximo descaso.
Como sugere Christensen, quem sabe seja importante deixar a criança ajudar a pintar a casa ou cortar a grama – por mais que elas só atrapalhem na tarefa. Mas depois vocês vão poder olhar juntos para a obra completa e sentir orgulho do trabalho em equipe. Assim se constrói uma cultura orientada pelo exemplo, pela experiência.
É preciso praticar o que valorizamos para que as crianças, no caso, comecem a fazer isso de forma automática. A cultura, para o bem ou para o mal, é o nosso piloto automático. Precisamos programar esse piloto automático.
“Eu só trabalho aqui”
Quando falamos em cultura, o problema é que colocamos toda a responsabilidade nos chefes. Mas a própria educação é uma responsabilidade individual, assim como a própria cultura de trabalho. O argumento é simples: é importante que a empresa treine, capacite, construa cultura. Mas e se ela não fizer?
Um exemplo que percebo com frequência: existe o funcionário que se comporta como sócio, e o que se comporta como… funcionário. Este último é aquele que, diante de um problema mais grave, diz “eu só trabalho aqui. Fale com o gerente.”
Sim, as empresas têm boa parte da culpa. Mas não controlamos as empresas. O que controlamos são as nossas decisões. E a primeira deveria ser essa mudança de mentalidade: adotar um comportamento de sócio, mesmo ganhando mal e tendo poucas responsabilidades. As coisas mudam com a mudança de postura.
E se não mudarem? Então “mudar” se torna uma opção sua.
Um paradoxo moderno
Podemos reclamar. Esperar. Ter a quem culpar – o que, convenhamos, é cômodo. Ou podemos assumir a responsabilidade pela nossa própria formação.
E vale lembrar: a informação está toda disponibilizada. O conteúdo está ao alcance de todos. Nada contra sentar numa sala e ouvir o especialista falar. Mas não podemos esquecer que a melhor capacitação acontece quando enfrentamos situações difíceis.
Mas estamos evitando situações críticas. Queremos sossego. E eis um paradoxo moderno: quanto mais nos aproximamos dos nossos objetivos (estabilidade, vida mansa) menos aprendemos. E menos preparados estaremos para o futuro.
E para as empresas?
Três recomendações surgem dessas observações:
- Não avaliar um currículo só pelos títulos e posições. Quem sabe seja mais valioso descobrir as dificuldades que o candidato já enfrentou – inclusive em promoções internas. Segundo Eric Schmidt, o Google busca trazer, por exemplo, ex-atletas de ponta para a equipe: a empresa sabe o impacto dos anos de disciplina e dedicação na formação profissional.
- Criar novas formas de capacitar. Rodízio de funções, imersões em clientes e fornecedores, reflexões para aprender com erros e problemas: não podemos mais considerar “capacitação” apenas o tempo em sala de aula.
- Como destaca Clayton Christensen, as estratégias e os projetos de inovação só saem do papel quando alocamos nossos recursos – tempo, esforço e dinheiro. Para facilitar a reflexão: quanto tempo e esforço a sua empresa vai dedicar para transformar a cultura?